Proponho-me ao exercício de traduzir em imagens o turbilhão de emoções que tenho vivido. Fecho os olhos. Vejo uma pequena arena daquelas de antigos teatros. Está escuro, sei que há pessoas ali, mas não vejo seus rostos. Estou no meio do palco, sob um forte foco de luz, sentada, abraçando minhas pernas e de cabeça baixa, como que me protegendo.
Eles todos falam alto, coisas que eu não entendo bem, porque falam ao mesmo tempo. Mas não preciso entender as palavras para sentir que aquilo me assusta. Me sinto indefesa, fragilizada, triste. De longe, identifico alguns gritos: Pinta esse cabelo. Você vai vestida assim? Você tem que emagrecer!
Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer! Você tem que emagrecer!
As luzes se acendem, entro eu. Um eu igual ao encolhido ali no centro. Não uma versão revelação de Esquadrão da Moda. Eu. Mesmo cabelo branco, mesmas linhas de expressão, mesma flacidez no braço, mesmo peso…. Mesma ausência de maquiagem e estilo um tanto confuso. Mesmas atividades profissionais, mesma conta bancária, mesmo estado civil. Eu.
Mantenho-me em pé, cabeça erguida. Não sinto qualquer emoção. É algo até bem blasé. Me olho ali no chão, olho para as pessoas que estão na plateia e em tom firme, mas amoroso, digo:
“Quero agradecer a todos pela participação em minha vida. Alguns de vocês, ao me causarem dor, estavam apenas tentando lidar com as suas próprias dores e eu entendo, tá tudo bem, mas, por favor, se retirem.
A grande maioria, que fica aqui comigo, o fez por amor. As cobranças por beleza, magreza, riqueza… casamento, família e filhos… uma única carreira, de preferência estável e com boa aposentadoria… Tudo isso não passava de um jeito meio torto de me dizerem que se importavam comigo.
Achavam que não tinha como sobreviver sem corresponder aos valores mais importantes da nossa sociedade. Se o ser humano depende de outros, entendo que consideraram importantíssimo que eu fosse aceita pelos outros. E, pra ser aceita, tem que ser linda, magra, rica, casada, bem-sucedida, certo? Eu entendo, de verdade, entendo. Mas eu quero lhes contar uma coisa.
Essa mulher aqui hoje, assim, meio acima do peso, que ora é cantora, ora celebrante de casamentos, ora jornalista, ora coach… às vezes tem grana, às vezes não… meio sem saco pra ir a salão ou dermatologista, até porque nem adiantaria comprar cosméticos, já que tem preguiça de passar qualquer coisa além de protetor solar antes de sair de casa… Essa mulher sabe que há muitas formas de ser feliz e que é questão de escolha, autoconhecimento e prática.
Então, agradeço de coração, mas não precisa mais, tá? Aliás, muitos de vocês nem falam mais nada. Já tomaram tantas patadas minhas, né? Desculpa pela agressividade passada. Eu não conhecia outro jeito. Enfim… Agora eu também posso parar de repetir pra mim mesma isso tudo que um dia vocês me disseram.
Entendo que eu o fazia incessantemente para garantir que nunca esquecesse, que me mantivesse amada e aceita por vocês. Mas, além de reconhecer que já sou; eu, a partir de hoje, garanto que eu serei a fonte do amor e da aceitação de que eu preciso. E assim, a tudo, eu mais que simplesmente sobreviverei”
Abro os olhos. Sinto o turbilhão de emoções cessar e escorrer do peito ao chão. Me sinto bem. Mas, não me iludo de que as vozes simplesmente sumirão. Foram muitos anos acreditando no que me diziam e outros tantos repetindo as cobranças pra mim mesma.
É como desligar o rádio, mas a música persistir na cabeça. Sabe, quando só uma nova música para fazer esquecer da anterior? Eu achei essa nova música: “Obrigada. Podexá. Eu me amo e me aceito profunda e completamente. Vai ficar tudo bem.”